segunda-feira, 7 de abril de 2014

DA ASSEPSIA À QUARENTENA: O BECO, A VIDA NOTURNA PEQUENAS DOSES DE ESQUECIMENTO (1890 A DÉCADA DE 1940)


Raimundo Hélio da Silva*
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
raimundo.helio@bol.com.br


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*Graduando em História Licenciatura Plena, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Área de interesse: História, Memória, Patrimônio e História Cultural. Participa como instrutor do Projeto de Extensão - Memória e Patrimônio da Euroamérica: da Ribeira a Cidade Alta (1930-1964), em andamento 2011-2013, sob coordenação e orientação do Prof. Dr. Roberto Airon Silva.




RESUMO: A Ribeira surgiu na primeira metade do século XIX por volta de 1810 se consolidando por volta de 1850 , como local de concentração econômica-administrativa e o berço dos grandes nomes da política e erudição da cidade, a Ribeira onde localizava a Alfândega na rua do mesmo nome, depois Rua do Comércio ( atual Rua Chile), a Ribeira da Estação Férrea que transportava o algodão e o sal posteriormente, a Ribeira do Porto, mas principalmente a Ribeirados prazeres, noturnos, dos becos, esquinas e vários meretrícios um comércio não oficial dentro do comércio legítimo e elitizado, um mundo dentro de outro mundo, um pedaço dentro de outro pedaço, que necessitava ser purificado, higienizado, ou seja, passar por um processo de assepsia da” Velha Ribeira”, não só do espaço geográfico e físico, mas também humano.

Palavras-chave: Bairro da Ribeira e Cidade Alta, assepsia, Natal moderna, teoria do miasma
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Abstract: The Ribeira came in the first half of the nineteenth century around 1810 consolidating around 1850, as a place of economic and administrative concentration and the cradle of the great names of politics and scholarship of the city, the Ribeira where Customs located in the street of the same name, then Street commerce (now Chile Street), Ribeira da Railway Station carrying cotton and salt later, Ribeira of Harbor , but mostly Ribeira of pleasures of the alleys, night, street corners and various meretrícios an unofficial trade in legitimate trade and elite , a world within a world, a piece inside another piece that needed to be cleansed, sanitized, or go through a process of sterilization of the "Old Ribeira", not only the physical, geographical space, but also human.

Keywords: Ribeira neighborhood and Uptown, asepsis, Natal modern, the miasma theory.




INTRODUÇÃO

A velha Ribeira palco de lembranças e prazeres. Desde o século XIX, este espaço (Ribeira: Rua do Comércio – Nata/RN) concentrava a administração da província, o comércio e órgãos bancários, o dito comércio oficial, funcionava normalmente do alvorecer ao crepúsculo, o movimento no Cais da Av. Tavares de Lira, era intenso com a chegada e a saída de mercadorias. Por volta de 1896 surgem novas ideias cientificistas “[...] Com as primeiras águas do inverno e a temperatura elevada de trinta graus, facilita-se a fermentação e dá-se a cultura do miasma...”. , higienizar para purificar os ambientes se fazia necessário, prática recorrente no mundo durante o século XIX e em Natal não era diferente. Seguindo o modelo da capital na época, Rio de Janeiro, cujo lema era modernizar para a eternidade.


Natal: uma cidade “Moderna”?

Aos poucos os barracos, as casas de taipa, que havia próximo a estes centros foram substituídos por casas mais sofisticadas, as de um andar deram lugar aos sobradinhos de dois andares rodeados de varandas, muitos com suas estruturas importadas da Europa (exemplo os solares da Rua Junqueira Aires, atual Câmara Cascudo).
Mas, que modernização era essa? O moderno era plantado sobre o antigo, pois o “antigo” era provinciano a base que alicerçava o moderno, o novo, o eurocêntrico. Sempre a Europa! O Velho Mundo eternamente atual, tal como na capital como o prefeito Pereira Passos. O caso de Natal, [...] o controle da higiene e da saúde públicas, verificou-se, no período em estudo, a intervenção direta em duas áreas específicas da cidade (Ribeira e Baldo).




Ribeira: palco de comércio e prazeres

No início do século XX, um elemento significativo sem dúvida foi o evento da energia elétrica (1911-1940) que chegou para encurtar a distância com o bonde (1919) que facilitava a ligação da Cidade Alta (bairro de mesmo nome) com a Ribeira (cidade baixa). A Rua do Comércio (atual Chile) adormecia ao fim do comércio diurno e acordava para o comércio noturno, o movimento dos cabarés, bares e becos começavam por volta das 21h, estes locais eram frequentados pela elite econômica que procuravam afastar a insônia bebendo, jogando, fumando ou dançando com as prostitutas locais que ofereciam seus serviços.
Estes comerciantes deixavam suas mulheres em casa e se embreavam nas ruas mal iluminadas a procura de prazeres negados pelo “puritanismo” de suas esposas que se fechavam nos lares, conscientes e coniventes destas práticas. Homens conquistadores, insanos, cegos pela fortuna que lhe trazia Hermes e tocados pelo mau amor de Vênus, ao retornarem, compartilhavam com elas.
Nos anos 1940, eclode um grande conflito “A Segunda Guerra Mundial”, e a cidade de Natal passa por um processo de “inchaço” populacional pelo aumento humano dos migrantes do sertão em busca de sobrevivência, fugidos da seca que assolava desde século XIX, oferecendo sua força de trabalho por qualquer trocado, o problema, é mais uma vez a ocupação das áreas periféricas da cidade usadas como moradia e dormitório.
Esses olhos se voltavam para a capital e para os estrangeiros que aqui desembarcavam cheios de dólares americanos que compravam tudo o que estivesse à venda, bastavam abrirem a carteira, inclusive no comércio de carne humana que era crescente , essas moças não aceitavam mais beber aguardente ou cerveja, mas, uísque e cuba-livre, substituíam o tango e maxixe pelo blues e o foxtrote à meia luz vermelha incandescente que ofuscava as chamas das velas sobre as mesas. Mas, no meio deste “comércio” quem sabe, deve haver amor, ternura. Pois, como disse Xica Pirrita “Rapariga também é fi de Deus”

Natal de festa e limpeza humana: da Quarentena à Zona

A seleção asséptica nesse momento tinha em vista um público mais exigente e cuidados eram necessários. Os estrangeiros que aqui desembarcavam durante a década de 1940 necessitavam se divertirem nas horas vagas, mas com os devidos cuidados e higiene da “carne humana” que consumiam.

[...]o cuidado em “Higienizar” as prostitutas. Estas tinham que passa por tratamento médico e apresentar seus cartões de identificação, apelidado ironicamente de “passaporte do amor”, que eram emitidos pelo posto de saúde do comando da base, para só assim poderem manter relações sexuais com os clientes estrangeiros.


Essa concorrência de certo modo era desleal, favorecia um número menor e excluía um número bem mais elevado de trabalhadoras do sexo, cujo que restava era os becos insalubres.

Como principal defeito, e desde também tempos mais remotos, como até hoje, teve a Ribeira a pouca sorte de ser a Capital Federal da prostituição profissional. Ali o meretrício era franco e escandaloso e até funcionando perto das casas de família. Na Ribeira sempre existiram pensões alegres ricas e bem servidas, como outras mais modestas. Da boate mais granfina até o sórdido, imortal e já tristemente célebre Beco da Quarentena. Para a Ribeira desciam os frequentadores do amor pago e lá encontravam os embarcadiços nacionais e estrangeiros. [...]


Com o final da guerra a Velha Ribeira entrou em decadência a partir da saída dos americanos que levaram tudo o que trouxeram, desde alimentos em conserva e enlatados até os corpos e restos mortais de seus companheiros de combate que estavam sepultados em terras Potiguares, o que lembra que eles não vieram para se fixar, mas, para combater na terra Potiguar, daí por diante a decadência foi crescente até os anos 1960-1970 quando os bancos e principais pontos comerciais se estabeleceram na parte mais elevada da cidade, o bairro da Cidade Alta, restando a Ribeira a seguir em seu legado o local que concentra um número elevado de meretrícios, não tão ativos nos dias de hoje.



Considerações finais

Atualmente a Ribeira sobrevive nos arredores do Cais da Tavares de Lira, Cais do Porto e de eventuais momentos de Cultura na Rua Chile (Casas de Ribeira e Bares) e proximidades da Praça Pedro Velho com eventos culturais e o Museu da Cultura Popular que ainda buscam um resquício de ar debaixo desse esquecimento local. Mas, e o Beco da Quarentena? Esse continua perdido e esquecido entre as Ruas Frei Miguelinho e Chile o que o enquadra não como um beco, mas como uma travessa que liga dois pontos de prostituição diária entre mercados de peixes e anônimos que se embriagam para esquecerem e serem esquecidos, o que é bem fácil de acontecer, semelhante ao beco que lá continua repleto de sujeira e habitantes invisíveis aos olhos do descaso, sempre a espera de alguém passar para solicitar um trocado, um cigarro, um eventual bater de carteira ou um sexo rápido, são os anônimo(a)s que se camuflam tal camaleões, por isso, são invisíveis diante das paredes em quarentena do eterno Beco, a espera de outro “Santo”, não eleito pela fé mas pela vontade política popular.





SILVA, R.H.



REFERÊNCIAS

CASCUDO, Luís da Câmara. Crônicas de Origem: a Cidade de Natal Nas Crônicas Cascudianas dos anos 20. (Org.) Raimundo Arrais. Natal/RN: EDUFRN. 2011 p.139

LIMA, Pedro. A QUESTÃO SANITÁRIA E O DISCIPLINAMENTO DE NATAL: 1850-1935. Disponível em: http://www.anpur.org.br/revista/rbeur/index.php/shcu/article/view/716/691. Versão Online. p. 4. Acesso em: 16 de dez. de 2013

ONOFRE JÚNIO, Manuel. Breviário da cidade de Natal. 2ed. Natal: Clima, 1984.p.95.

PEDREIRA, Flávia de Sá. Chiclete eu misturo com banana: carnaval e cotidiano de guerra em Natal. Natal: EDUFRN - Editora da UFRN. 2005.p. 262.
PINTO, Lauro. Natal que eu vi. Natal: Imprensa Universitária, 1971.p.30-31


SOUZA, Daline Maria de. DA PEDRA DO ROSÁRIO AO PANTANAL: ESPAÇO E URBANIZAÇÃO DO PASSO DA PÁTRIA (NATAL-RN). Versão Online. Disponível em: ftp://ftp.ufrn.br/pub/biblioteca/ext/bdtd/DalineMS.pdf Acesso em: 20 de dez. de 2013