terça-feira, 6 de setembro de 2011

Nossos cromossomos de memórias: fragmentos de história


 Raimundo Hélio da Silva
Graduando de História - UFRN

O ato de lembrar é uma herança  que passa de geração a geração isso faz parte de nossas memórias individuais refletidas na memória coletiva assim sendo fragmantos de memórias adormecidas que fazem parte de um todo segundo (Le Gofff apud Jacob', 1970)Fala-se da memória central dos computadores e o código genético é apresentado como uma memória da hereditariedade.
Os filhos são nossos resquícios de como somos, ou melhor, cromossomos de memórias, as ciências biológicas define como hereditariedade genética. Mas, essa concepção vai além da replicação de genes uma replicação de memórias, portanto, replicações de lembranças adormecidas, de desejos e feitos não realizados e frustrados.
Quem nunca desejou que seu filho fosse um excelente jogador de futebol, basquete, um velocista de jogos escolares ou o melhor da rua nas partidas de fim de semana.
Quem nunca almejou que sua filha fosse à bailarina número 1 (um) do célebre musical Lago do Cisne.
Os filhos são, portanto reminiscências do nosso DNA eternamente arrependido do não realizado são personificações de nossa continuidade. Assim, personificação de memórias.
O homem nasce como uma página em branco que vai sendo preenchida       ao longo de sua existência independentemente de sua vontade. 
No Congo, nota Balandier, depois do clã ter imposto ao recém- nascido um primeiro nome dito "de nascença", dá-lhe um segundo, mas oficial, que suplanta o primeiro. Este segundo nome "perpetua a memória de um antepassado ancestral – cujo nome é assim "desenterrado" – escolhido em função da veneração de que é objeto" [1965, p. 227].
Seu nome, não é seu, é herdado para continuar a existência a alguém que agora é só memória, representada em fotos e numa lápide.
Essa memória não é mais involuntária tampouco individual é memória viva, ela respira se movimenta, enxerga, ouve, fotografa e o mais importante ela escreve e documenta.
Nesse ciclo vital, ou melhor, retrospecto vital a sequência é quebrada: nasce, cresce, se reproduz, envelhece, mas não morre estagna, com o tempo, essa estagnação cristalizada é dissolvida no DNA dos nossos filhos e nos filhos de seus filhos.

Referências Bibliográficas.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A arte de inventar o passado- Ensaios de teoria da História. Bauru: Edusc. 2007
LE GOFF, Jacques. Historia e Memória. 5ª ed. São Paulo: Unicamp. 2003.

Memória e poder: uma reflexão

Para refletir sobre a relação memória e poder.

.
No lugar do caráter espontâneo e natural,ressaltam-se os empreendimentos deliberados de reconstrução empreendidos pela memória ,que responde por via de regra a demandas e interesses políticos precisos.Toda a memória é fundamentalmente ‘criação do passado”:uma reconstrução engajada do passado (muitas vezes subversiva ,resgatando a periferia e os marginalizados) e que desempenha um papel fundamental na maneira como os grupos sociais mais heterogêneos apreendem o mundo presente e reconstroem sua identidade,inserindo-se assim nas estratégias de reivindicação por um complexo direito ao reconhecimento.O que é aqui   colocado em primeiríssimo plano é,portanto,a relação entre memória e (contra)poder,memória e política.
A memória é ativada visando ,de alguma forma,ao controle do passado(e ,portanto,do presente).Reformar o passado em função do presente via gestão das memórias significa,antes de mais nada,controlar a materialidade em que a memória se expressa(das relíquias aos monumentos,aos arquivos,símbolos,rituais,datas,comemorações...).Noção de que a memória torna poderoso(s) aquele(s) que gere(m) e controla(m)” (SEIXAS).
Referência Biblográfica
  
SEIXAS,Jacy Alves de.Percursos de memórias em terras de história: problemáticas atuais.Minas Gerais:Faculdade de Uberlândia.

Memória e história:uma valsa do esquecimento no salão das lembranças.


Memória do individuo
Definir o que vem a ser a memória é um ato complexo tendo em vista que ela se modifica dependendo da especialidade no qual será aplicada.Na concepção de Le Goff  ela é compreendida como sendo a propriedade de conservar certas informações pelas quais os homens atualizam suas impressões ou informações passadas ou que eles compreendem como passadas.Leroi- Gourhan não a compreende como uma propriedade ,mas como a base da inteligência na qual são inscritas a concatenação dos atos humanos.Baseando-se nisto Gourhan classifica a memória em três tipos:especifica;étnica e artificial.
“Podemos a este título falar de uma "memória específica" para definir a fixação dos comportamentos de espécies animais, de uma memória "étnica" que assegura a reprodução dos comportamentos nas sociedades humanas e, no mesmo sentido, de uma memória "artificial", eletrônica em sua forma mais [Pg. 426]recente, que assegura, sem recurso ao instinto ou à reflexão, a reprodução de atos mecânicos encadeados".(LE GOFF,1984)
            Aqui levaremos em conta dois tipos de memórias intrínsecas:a memória individual e a memória coletiva.Estas memórias possuem uma relação dialética uma vez que “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva ,que   este ponto de vista muda conforme o lugar que ocupo,e que mesmo este lugar muda segundo as relações que mantenho com os outros meios”(HALBWACHS) e que a memória coletiva em certa medida “se efetivou precisamente excluindo do lugar de memória oficial a manifestação da memória dos excluídos”(SEIXAS).O lembrar também implica em produzir esquecimento.
            A memória individual possui certas peculiaridades que merecem serem abordadas e que nos ajudam a fazer os afastamentos e as aproximações entre elas.Cury em várias obras ressalta cinco grandes características desta modalidade de memória.A primeira é que o registro de um acontecimento ocorre através de um fenômeno denominado de RAM (Registro Automático da Memória) ,logo é um ato involuntário.Se o registro é automático então por que produzimos esquecimentos? A segunda característica explica que a emoção determina a qualidade do registro. Segundo Cury ”quanto maior o volume emocional envolvido em uma experiência,mais o registro é privilegiado e mais chance terá de ser resgatado”.A antepenúltima peculiaridade é que uma vez registrado ela não pode ser deletadas cabendo então apenas fazer uma releitura ou resignificação do acontecimento.A quarta especificidade é a  de que ela não é acessada por nossa vontade ,mas  pela energia emocional que experimentamos a cada vivencia cotidiana.E por fim a reminiscência ou lembrança nunca é pura ,ela é a reconstrução do passado que sofreu a influência do presente. A memória individual é em grande escala  o que Proust considera como memória involuntária que é “instável e descontínua,não vem para preencher os espaços em branco,supõe as lacunas e constrói-se com elas[...]Esse espaço vazio ,no entanto,é denso,pois percorrido por tempos múltiplos ,passiveis de ser atualizados pelas artimanhas da memória involuntária’(SEIXAS).
            Este conjunto de experiências armazenados são a base para a construção de uma ou a multiplicidade de identidades.É fundamentado na memória individual que construímos quem somos ,mas é também através de uma memória coletiva que criamos nossa etnicidade ou como Leroi- Gourhan afirma uma memória étnica que assegura uma performática de grupo com uma memória coletiva que construída voluntariamente com elementos representativos desta(s) identidade(s) capaz de gerar critérios de alteridade e uma construção discursiva sobre o eu ,o nós e os outros.É a propriedade de conservar certas informações que nos permite a autoafirmação e reconhecimento dos pares.
            A memória coletiva sofre um registro voluntário .Esta memória em abundancia é uniforme ,oficial e opera com representações da realidade que não” guarda” nada dela. Sendo a memória coletiva um instrumento e objeto de poder ,servindo tanto para libertar como para prender(LE GOFF,1924).Em grande medida a memória é um estandarte de poder, um controle do presente sobre o passado.
Referências Bibliográficas.
ALBUQUERQUE JÚNIOR,Durval Muniz.A arte de inventar o passado- Ensaios de teoria da História.Bauru:Edusc.2007
CURY,Augusto.Pais brilhantes;Professores fascinantes. Rio de Janeiro:Sextante.2008.
LE GOFF,Jacques.História e Memória.5 ed.São Paulo:Unicamp.2003
SEIXAS,Jacy Alves de.Percursos de memórias em terras de história: problemáticas atuais.Minas Gerais:Faculdade de Uberlândia

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O primeiro Beijo.

            Clarice Lispector
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...
Ele se tornara homem.



Estes são os aluno da E.E. Peregrino Júnior - Zona Norte - Natal (RN) o público alvo do Projeto de Extensão -Memória e Patrimônio Euroamérica de Natal: da  Ribeira a Cidade Alta (1930-1964) para não deixar a MEMÓRIA ser vencida pelo seu correlato o "ESQUECIMENTO".  E os futuros FERAS, 2012, a direita a Profa. Rejane, que acreditou nesse projeto claro, com o apoio da direção na figura da Profa. Cícera que se prontificou em colaborar no que fosse possível nesta empreitada, é apena a primeira postagem de várias que virão. Aguardem!